segunda-feira, junho 20, 2016

fiquei para titia

hoje está fazendo dois anos do dia que eu passei quase a noite inteira em claro na sala de espera de um hospital só para ver o rostinho da minha primeira e, até agora, única sobrinha (que depois se tornou minha segunda afilhada). foi um momento mágico quando ela apareceu na janela do berçário: apesar de ser gigante como a família do pai dela (52 cm e 4,100 kg), ela tinha no rosto todos os traços da família materna, a minha família... parecia uma miniatura do avô, toda gordinha e rosada, com olhinhos puxados e nariz pequenininho.

apesar de ter me apaixonado perdidamente à primeira vista, tenho que confessar que o fato de virar tia não foi algo que aceitei muito facilmente. eu já devia esperar que algo assim fosse acontecer em breve, até por que as duas irmãs mais novas já casadas e ter um filho é, teoricamente, o próximo passo.

o meu problema é que (vergonha de admitir, mas já admitindo) passei a vida inteira aprendendo a temer o fato de "ficar para titia". acho que no meu subconsciente tinha uma imagem horrível de uma mulher solitária, horrorosa, com verruga no nariz e tudo mais, e muito triste só por que a irmã mais nova tinha tido um filho e ela não. e para piorar, me peguei várias vezes aconselhando minha irmã a esperar, mais por medo do estigma do que por entender a loucura que estava rolando na minha cabeça.

demorou um tempinho, mas eu finalmente me dei conta da minha maluquice. primeiro, eu tenho uma vida ótima, amigos maravilhosos e ainda tenho conseguido realizar grande parte dos meus desejos sozinha, e, segundo, não posso bancar a vítima, pois estar solteira faz parte de várias decisões minhas, que, bem ou mal, me trouxeram até onde estou agora. e quando é mesmo que ter um homem e um filho vão me garantir felicidade absoluta?

eu, inclusive, me dei conta que nem sei se quero ter um filho mesmo. do mesmo jeito que colocaram esse "ficar para titia" na minha cabeça, será que também não colocaram esse história de ter que ter um filho também? tenho pensado muito nisso e talvez algum dia desses eu chegue numa conclusão (antes do relógio biológico disparar, espero).

a verdade é que eu adoro crianças. sempre adorei. participei até da criação de vários primos mais novos (tem toda uma horda de fãs de cultura nerd e música indie na família, por causa disso) e sou madrinha de duas meninas lindas. acho ainda que as crianças também têm uma facilidade enorme de ir com a minha cara: não consigo nem contar quantas vezes uma delas grudou em mim sem que eu tivesse feito nada. nem me acho muito boa nas brincadeiras, só pode ser minha cara de desenho animado. :P

mas não quero, de jeito nenhum, me transformar numa das minhas colegas de trabalho, cujos maridos não ajudam em nada e contratam babá, cozinheira, faxineira e, ainda, folguista, para dar conta do recado. nem muito menos tenho vontade de encarar uma produção independente. acho que só teria um filho se fosse com um pai que realmente quisesse ser pai. por que, na minha casa, eu tive um exemplo incrível: meu pai sempre ficava sozinho com três meninas pequenas no final de semana, enquanto minha mãe estava no plantão. não tinha essa história de folguista não.

por que eu estou falando isso tudo aqui apesar de estar morrendo de vergonha? por que eu penso nas outras mulheres que, assim como eu, ficam sofrendo por essas coisas. mas é muito difícil tirar do sistema uma coisa que você passou a vida inteira sendo treinada para repetir e eu queria mesmo poder ajudar a desconstruir essas ideias malucas que colocam na cabeça da gente. estou tentando começar com minhas afilhadas, que, se depender de mim, não vão perder nem meio segundo com esses dilemas.

agora, sou a titia mais feliz desse mundo por que tenho minha mariana. ela não me chama de titia, só "cauol", mas sou titia sim, com orgulho. não tem coisa melhor do que vê-la entrar correndo, toda estabanada, no quarto, gritando meu nome. meu maior desejo é que ela tenha uma vida sempre alegre como nossas tardes passeando de motoca no parquinho e fazendo amizade com todas as outras crianças que passam por perto.

e quero mais sobrinhos. muito mais! (só não sei se minhas irmãs estão dispostas a me dar. :P)